quinta-feira, 4 de março de 2010

Até quando sonhos e risos serão interrompidos por lágrimas de desesperança?


É.., amigas e amigos a Márcia Pelá escreveu este artigo e o jornal O Popular publicou no dia 03/03.

Achamos que o assunto violência, não bateu em nossa porta, mas invadiu a nossa casa descolorindo nossos sonhos de alegria, merece não só uma reflexão.., mas AÇÃO!!



Até quando sonhos e risos serão interrompidos por lágrimas de desesperança?

Márcia Pelá


Dia 1º de março de 2010, artistas, produtores culturais, professores, intelectuais, crianças, adolescentes e tantos outros se encontraram no picadeiro do Circo Laheto, entretanto, desta vez, infelizmente, não foi para celebrar a vida, divulgar a arte, promover o riso e a alegria, mas para despedir do Palhaço Palito (de 26 anos) que foi brutalmente assassinado.

Na homenagem pude presenciar centenas de crianças e adolescentes órfãs. Não órfãs de pai e mãe, mas de seus sonhos e da esperança que uma vida melhor é palpável. A morte do palhaço Palito ali não representava apenas as tristes estatísticas de mortalidade dos jovens que moram nas periferias das cidades brasileiras, mas também a fragilidade e a complexidade da luta de milhares de brasileiros que acreditam que podem (re) inventar o mundo e as suas vidas.

Segundo os pesquisadores Ignez Costa Barbosa Ferreira, Ana Maria Nogales Vasconcelos, e Nelba de Azevedo Penna do NEUR/CEAM/UnB “A violência urbana é atualmente um dos temas priorizados nos estudos das cidades, especialmente dos grandes aglomerados urbanos. Além das implicações de ordem econômica, social e territorial, a morte por homicídio vem se colocando no mundo atual como uma verdadeira endemia. As estatísticas mundiais apontam para a problemática da mortalidade de jovens entre 15 e 29 anos, vítimas de homicídios nas cidades”.

Ironicamente, Mauricio de Silva Filho (o palhaço Palito), um multiplicador de sonhos e esperanças; um educador que se dedicou à formação de crianças e adolescestes em situação de vulnerabilidade socioeconômica no intuito de instrumentaliza-las para serem protagonistas de suas histórias de vida; um artista que nos proporcionou inúmeros momentos de ludicidade e risos; foi vitima de uma de suas maiores lutas: não ser apenas um número estatístico de violência gerado pela situação de desigualdade social e segregação socioespacial do nosso país.

Infelizmente, acompanhamos diariamente esta caótica situação nos noticiários da imprensa local e nacional e como exemplo podemos citar o assassinato do universitário Alcides do Nascimento Lins, de 22 anos, filho de uma ex-catadora de papel da região metropolitana da cidade do Recife.

Maurício e a Alcides têm históricos de vida análogos. Ambos são oriundos de famílias de vulnerabilidade socioeconômica, moravam em áreas periféricas de suas cidades, foram assassinados antes dos trinta anos de idade e tentaram (re) inventar as suas histórias de vida no propósito de se libertarem da triste realidade de exclusão social, cultural e econômica que a nossa sociedade tem traçado para estes jovens.

Estes dois jovens sonharam e acreditaram que a inventividade, como descreve Peter Pál Pelbart - filosofo e professor da PUC-SP, “não é prerrogativa dos gênios, nem monopólio da indústria ou da ciência, ela é a potência do homem comum” capaz de possibilitar a criação de novas alternativas de cooperação, associação e relação que lhes permitiriam driblar a ordem social estabelecida criando condições para fossem sujeitos de suas próprias histórias.

Entretanto, estas histórias mais uma vez foram interrompidas prematuramente. Fato que nos leva a indagar: até quando seremos capazes de conviver com esta violência como se fosse algo natural da vida. Até quando iremos presenciar os discursos de inclusão socioeconômica para as classes menos favorecidas, mas uma prática totalmente inversa. Até quando os sonhos e os risos serão interrompidos por lágrimas de desesperança.

È notório que as ONGs, como é o caso do Circo Laheto, vem contribuindo para mudar esta situação. Mas, infelizmente eles sozinhas não conseguem mudar esta realidade social. Necessitamos urgente que a sociedade civil se organize e lute para que as políticas públicas garantam, de fato, o fim da discrepância ao acesso aos bens públicos e que a cidade seja um direitos de todos. Pois só assim iremos reverter esta situação. O natural seria ver nossos jovens aumentando as estáticas de acesso a arte, a cultura, a universidade, ao lazer e ao trabalho e não as estáticas de criminalidade e violência.

Parafraseando o geógrafo Milton Santos: enquanto houver uma pessoa comendo os restos dos lixos eu não dormirei sossegada.

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