quarta-feira, 8 de junho de 2011

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Texto de Danilo Danilovitsch, sobre a apresentação da peça Carro Caído, na Casa das Artes, teatro Cici Pinheiro

Quando Averróis estava comentando a Poética de Aristóteles para os árabes ele se embatucou com dois termos por ele completamente desconhecidos já que os objetos aos quais esses termos se relacionavam eram do mesmo e completo modo ignorados dos árabes, quais termos sejam: tragédia e comédia. Abu al-Walid Muhammad Ibn Ahmad Ibn Munhammad Ibn Ruchd expôs os tais termos desconhecidos por dois que ele conhecia com absoluta perfeição: elogio escárnio, em que a tragédia seria o elogio dos homens bons e a comédia o escárnio dos maus.
Elogiar é sempre uma tragédia, pois não se diz nunca a metade da verdade e quando o esforço para alcançar essa parte mínima é perpetrado parecemos estar sempre exagerados. Não há uma medida aurea que nos indique qual a quantidade exata de elogios, nem há régua ou esquadro que os meçam e certifiquem. Portanto, já de principio aviso este texto é cheio de elogios, repleto de loas, de encômios, louvores e afins.
No domingo fui ao Teatro Cici Pinheiro assistir a Carro Caído, da Cia Nu Escuro espetáculo da minha amada companhia que nunca tinha visto. Apesar de terem criado um clima de pânico com avisos de espetáculo infantil encoberto pelos termos “espetáculo para toda a família” não foi exatamente o que ocorreu. Não gosto de rótulos. São invariavelmente redutores e preconceituosos. Se Carro Caído for um espetáculo infantil, eu sou uma criança com problemas de excessiva produção do hormônio do crescimento.
Há muito tempo não via um espetáculo tão divertido e talvez aqui esteja a solução para o problema da denominação de espetáculo infantil: Carro Caído nos faz sentir crianças novamente. Abílio Carrascal, Izabela Nascente, Hélio Fróes e Lázaro Tuim contam a conhecida história do carreiro maldizente que tem que levar um sino bento para uma igreja. No meio da viagem depois de muitas e muitas blasfêmias o demônio vem roubar-lhe a alma. Mas o carreiro tem um amigo fiel que com a ajuda de um anjo vai ao inferno e com ajuda da própria inteligência salva a ambos.
A singeleza do espetáculo é tamanha que eu fico encantado de que não tenhamos saído todos levemente mais simples de lá. Toda a sequencia que se passa no inferno é impagável.
Por ser um espetáculo mais antigo e nunca visto havia em mim a curiosidade de quanto da Nu que eu conheço já existia nos espetáculos anteriores. A resposta é simples: tudo. A mesma graça, o mesmo aproveitamento da comédia, a mesma vontade de agradar sem ser subserviente, a mesma alegria. Não falta nada. E nada me alegra mais do que um excelente espetáculo com uma excelente companhia.
Foi uma delicia. Não vi o tempo passar e duvido que alguém tenha visto. Anjos, diabos, caipiras, sinos, bois, luta entre o bem e o mal, frutas típicas do cerrado, cantoria, diversão e ensinamento para a garotada. Tenha ela um metro e dez ou um metro e noventa.

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