Naquela famosa passagem da epístola que escreveu aos Coríntios, mais conhecida por todos pela sua aplicação voluntária e episódica numa música cujo nome é completamente ignorado por mim, Paulo, o apóstolo cuja santidade, ainda que reconhecida pela Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana, é por mim igualmente ignorada, diz que o amor não trata com leviandade. Ainda que eu falasse a língua dos anjos não seria capaz de dar definição deste modo precisa sobre o amor e muito embora não dê crédito à filosofia paulina sou incapaz de rejeitar a beleza poética e a força intelectual de suas epístolas.
Movido por esse comprometido amor que tenho com o teatro fui no sábado, quarto dia do sexto mês deste dois milésimos e undécimo ano da Graça, assistir a Preciso Olhar, peça da Cia Nu Escuro, cuja estreia assisti há dois anos. Algumas coisas foram modificadas desde este longínquo dia. Um trecho foi radicalmente modificado. Um texto lindo de Tenesse Williams. Creio que mais nada de significativo.
O espetáculo é uma colagem de várias cenas curtas costuradas pelos atores e pela reflexão sobre temas como teatro e identidade que deságua em uma reflexão sobre os atores. Adriana Brito, Hélio Fróes, Izabela Nascente e Lázaro Tuim se despem, por vezes literalmente, em cena para falar sobre quem são e como são.
Duas cenas são louváveis: a sequência enorme do avião e a linda cena de estilos diferentes para a encenação de um tapa. Não me cansaria de os ver esbofeteando-se por horas a fio até que não houvesse mais cara onde se dar um tapa.
Amo a Nu Escuro e não quero ser leviano, pois o amor não trata com leviandade. Sendo uma colagem e um reflexão, uma exploração de linguagem, o espetáculo às vezes perde ritmo. No todo é um bom espetáculo e se torna um espetáculo ótimo para os que acompanham o trabalho da companhia ou conhecem os atores. Sabendo da capacidade de comunicação dos atores e das duas cenas geniais sempre recomendo mesmo para novatos em nuescurices pois não se perde nunca em assisti-los. Mas neste espetáculo é necessária uma dose maior de abertura de mente para aceitar a colagem, a discussão e mesmo a direção de Henrique Rodovalho que cria um ambiente contemporâneo. Aos desavisados: há projeção de vídeo, colagem, paródia e relatos pessoais no espetáculo, todos esses signos da contemporaneidade. O jogo de palavras contido no titulo é outro signo da contemporaneidade: o olhar é uma necessidade, mas deve-se olhar com exatidão.
Não posso ignorar o fato de que o texto do Tenessee Williams me faz muita falta. Era um momento de um lirismo impar. O texto que o substituiu é hibrido e meus sentimentos por ele são também híbridos.
Os patos alaranjados selvagens ainda são meus amores eternos. Um dia hei de roubar um para ter a lembrança feliz sempre palpável comigo.
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