A origem do teatro ocidental foi na rua e está
relacionada com a necessidade que o homem tem de se manifestar, ele surgiu na
vontade da festa, do homem querendo se relacionar. Na vontade de ir para rua,
de rir de falar, do coletivo e do Ritual. Das festas dionisíacas até hoje se encontra em
constante movimento, se transformando, desdobrando e até permanecendo em várias
formas da mesma linguagem. É uma arte rizomática que em toda sua trajetória
percebe- se momentos de impulso e de declínio, de valorização e de proibições
ora do estado ora da igreja transformando estes artistas em nômades. A arte do
encontro, do jogo, da resistência “de colocar a boca no trombone”. Mesmo depois de tantos espaços demarcados em
caixas italianas, elisabetanas, das caixas pretas, o teatro de rua sempre
resistiu. Como ele resistiu?
Uma arte que depende de uma única,
porém coletiva, relação entre o artista e o público, depende da vontade de uma
pessoa expressar um texto verbal ou corporal e de outra assistir. O teatro de rua possibilita esta relação
horizontal. Eu como transeunte posso me envolver ou sentir repulsa por uma encenação,
posso ficar ou posso continuar meu
caminho! Daí começa o jogo, um jogo de sedução de envolvimento e de
parceria, o ator enquanto personagem terá que convencer o passante de ficar.
Não depende de um valor que eu paguei para estar ali, depende da relação que se
estabelece. É claro que o artista de rua também quer seu chapéu cheio que para
ele vai de acordo com o merecimento pois como dizem “Os Parlapatões, Patifes e paspalhões: é “Um
chapéu, um tijolo e uma flor“ [1].
A rua possibilita inúmeras formas de
encenações, ela é relativa à estética e a ideologia que os artistas querem
dialogar. Do teatro grego com suas encenações lotadas que por vezes duravam
dias; à famosa comédia Dell´art; também os entra
e sai dos Freaks shows em feiras no inicio da modernidade; e as invasões de
espaço publico muito comentado e utilizado pelos artistas pós modernos, o
teatro de rua se apóia na diversidade e está sempre em movimentos, sempre feito
diferente, sempre único.
Trago
a experiência de uma apresentação em Salvador, no elevador Lacerda, um local
bonito e muito vivo com grande fluxo de pessoas. Começamos nossa encenação com
um publico menor, à medida que as cenas iam acontecendo o publico se aglomerava
mais, no meio da apresentação aconteceu algo inusitado, uma passeada de
militantes da marcha dos sem terras surgiram de um lado do largo e inevitavelmente a peça e a passeata iriam se
cruzar. Quando os manifestantes cruzaram a encenação eles ficaram, e aumentaram
mais a roda, era centenas de pessoas, deixando a militante puxadora da
manifestação em estado de loucura, ela entrava na cena, conversava com os
personagem, os personagens respondiam, gritava que eles tinham horários, tinha que
seguir. Ninguém arredou o pé, ela entrou novamente na cena convidou para seguir
encenando na passeata, público não mexeu, estavam no jogo, por fim caiu uma
baita chuva, daquelas que dizemos “o céu se abriu” o Hélio chama um canto e fala
“Vamos parar”, eu respondi: “como? a mulher entrou duas vezes e essa chuva não
fizeram a galera sair, nós que vamos parar?” A relação estava estabelecida, o
jogo estava acontecendo e a parceria tinha que ser completada. O publico gozou
da sua liberdade de ficar, de alterar o fluxo, por alguns minutos o riso foi
mais importante que a política. E o riso também é libertador.
Em
outra apresentação o contratante fez uma exigência: não poderíamos passar o
chapéu (que é uma tradição no teatro de rua). Ok. Apresentamos e durante a
apresentação uma moradora de rua que freqüentava a praça pegou um copinho e
ficava passando o copinho para as pessoas colocarem dinheiro, no final do
espetáculo, agradecemos como normalmente, ela chegou no cenário e virou o
copinho em um pinico nosso, que usamos em cena. Ela fez cumpriu a tradição.
É
deste tipo de experiência onde eu encontro a resposta da pergunta acima, por
que resistiu? Por que a rua é para todos mais também é para os essencialmente
abertos para o jogo, aqueles corajosos, porém, é paradoxal, ela nos despeja a
todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e
contradição, de felicidade e de angústia.
Estar
na rua é ter consciência da própria perecividade.
[1] Frase escrita na entrada do espaço dos
Parlapatões, Patifes e paspalhões, é a
descrição da sua logomarca que segundo eles :
"Um chapéu, um tijolo, uma flor. O chapéu representa a nossa
sobrevivência. O tijolo mostra o peso do trabalho. E a flor?... A flor é pra
colocar um pouco de poesia nessa merda toda!"
O CABRA QUE MATOU AS CABRAS
Prêmio Artes na Rua 2015
Em breve divulgaremos a programação.
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